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Alteração na tributação dos fundos fechados deve aumentar arrecadação do governo em R$ 10,7 bilhões
Em meio à crise econômica que assola o país, o governo federal busca diferentes maneiras de aumentar a sua arrecadação. Para isso, uma série de antigas propostas voltam à tona – como visto na aprovação da reoneração da folha de pagamento, usa
Em meio à crise econômica que assola o país, o governo federal busca diferentes maneiras de aumentar a sua arrecadação. Para isso, uma série de antigas propostas voltam à tona – como visto na aprovação da reoneração da folha de pagamento, usada como manobra política para dar fim à greve dos caminhoneiros em maio deste ano. Agora, ainda pressionado pela falta de cifras, o governo planeja alterar a forma de cobrança do Imposto de Renda (IR) sobre fundos de investimentos fechados – igualando a tributação destes à realizada com os fundos abertos –, aumentando a sua arrecadação em R$ 10,7 bilhões.
“Em resumo, os fundos abertos são aqueles em que o investidor pode solicitar o resgate de seus recursos a qualquer tempo”, explica o Doutor Fábio Cury, mestre em direito tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio do escritório Urbano Vitalino. “Já os fundos fechados são aqueles em que o investidor somente pode resgatar suas cotas ao final do prazo estipulado para duração do fundo ou em outros casos muito restritos, como a amortização”.
Segundo o especialista, hoje os fundos fechados têm um tratamento próprio. “A tributação sobre eles se dá apenas no resgate ou amortização, com uma alíquota do Imposto de Renda de 15%”.
A proposta de alteração se dá através do Projeto de Lei (PL) 10638/18, que propõe que a cobrança do imposto sobre estes fundos passe a ser efetuada conforme realizado nos investimentos abertos. “Além da tributação regressiva no resgate, que passaria a variar de 15% a 22,5%, a depender do perfil do fundo (se de longo ou de curto prazo) e do prazo do investimento, os fundos fechados também estariam sujeitos a uma tributação do Imposto de Renda semestral, que se convencionou chamar de come cotas”, esclarece o doutor.
Segundo Cury, “o nome come cotas se deve ao fato de que o tributo é retirado da própria valorização do período e se apresenta como uma redução proporcional no número das cotas que o investidor possui”. O especialista ainda explica que o tributo em questão incide nos meses de maio e novembro de cada ano, sempre sobre os ganhos apurados no período anterior e na menor alíquota aplicável a cada tipo de fundo. “O come cotas é de 20% para fundos de curto prazo, de 15% para os de longo prazo, e não passará por mudanças com o projeto”.
Uma modificação deste porte (sobre o tratamento de cobrança aos fundos fechados) já foi proposta ano passado, através da Medida Provisória (MP) 806/17, mas a mesma perdeu a validade em abril deste ano após não ser votada no Congresso Nacional. Agora, o governo busca estipular a mudança através do PL 10638/18, aumentando assim a sua arrecadação em níveis astronômicos.
“Basta dizer que na própria carta de encaminhamento do projeto, enviada pelo Secretário da Receita Federal ao Presidente da República, se fala em um aumento da arrecadação do IR, em 2019, na ordem de R$ 10,7 bilhões”, enaltece Cury. “Esse seria o tremendo impacto só da cobrança retroativa do Imposto de Renda pelas novas regras em relação à diferença entre o valor patrimonial das cotas desde a instituição dos fundos fechados e seu valor apurado em 31 de maio de 2019”.
Para o doutor, a possível alteração poderá acarretar em uma queda significativa no número de investimentos sendo realizados, ou uma migração dos investimentos para opções semelhantes no exterior. “Uma estrutura como o fundo fechado, que permite um diferimento da tributação para o momento do resgate, é muito adequada para investimentos de maior risco e que envolvam projetos de retorno a longo prazo”, comenta. “Aplicar a esse tipo de investimento uma lógica própria aos investimentos de renda fixa, como é o come cotas, é sem dúvida um desincentivo”.
Cury enaltece que, em um primeiro momento, a proposta pode parecer apenas uma questão de igualdade (equiparação) ou justiça tributária, mas lembra que os fundos fechados podem possuir investimentos muito mais voláteis do que os fundos de renda fixa abertos, como é o caso dos ativos de renda variável. “Por isso mesmo seus resultados anuais ou em períodos mais longos estão sujeitos a maiores variações”, explica. “Dessa maneira, estender aos fundos fechados a tributação semestral pode impedir a compensação de prejuízos significativos a que eles estão sujeitos se levarmos em conta períodos mais longos, gerando uma tributação sobre um ganho que poderá nunca ter se concretizado”.
População mais rica do país será a mais afetada
Afirma-se, na carta de encaminhamento do projeto ao Presidente da República, que os fundos fechados são utilizados pelas famílias mais ricas do país e que a medida busca “reduzir as distorções existentes entre as aplicações em fundos de investimentos”.
Para Cury, é razoável admitir que uma parcela mais rica da população é a mais diretamente afetada no caso de aprovação desse projeto de lei. “Dados os elevados custos envolvidos na estruturação e manutenção de um fundo fechado, é possível dizer que apenas os investidores mais abastados têm acesso a esse tipo de mecanismo de investimentos”, afirma.
“Mas não se pode confundir capacidade contributiva com capacidade econômica”, destaca. “O fato de um investidor ter mais recursos não quer dizer que, necessariamente, tenha auferido mais renda num período que outro cidadão: pode ser que tenha experimentado prejuízos enormes, ainda que seja mais abastado”.
Segundo o especialista, “essa ideia de uma tributação mais equitativa é muito explorada para aumentar a arrecadação de maneira mais simpática à opinião pública”. “Mas assim como um erro não justifica outro, estender uma tributação inconstitucional para outra parcela da sociedade não a torna em nada melhor: pelo revés, só a agrava”, critica.
Tributações sobre FIPs e Hedges também passarão por mudanças
Além de prever mudanças na tributação dos fundos fechados, o PL também irá alterar a tributação de alguns Fundos de Investimentos em Participações (FIPs). Segundo Cury, as mudanças serão diretas aos FIPs que não são qualificados como entidades de investimento – ou seja, que não tem o propósito de retorno do capital investido ou auferir renda pelos cotistas e clareza na definição das políticas de desinvestimento, entre outras características necessárias.
“O PL altera completamente a tributação dos FIPs que não são qualificados como entidades de investimento, que simplesmente serão equiparados para fins tributários como se fossem sociedades”, explica o especialista. “Ou seja, os FIPs ‘puros’ serão equiparados para fins tributários às Holdings (sociedades que têm por objeto participação em outras sociedades) e sujeitos à tributação comum das pessoas jurídicas”.
Os resultados de hedges (proteção feita para reduzir os riscos de uma operação financeira) também passarão por modificações caso aprovado o projeto, prevendo a incidência do IR e da CSLL sobre o resultado apurado pelos bancos que investem em participação no exterior (os eventuais ganhos cambiais não são tributados atualmente).
Alteração deve resultar em pautas judiciais
Cury também destaca eventuais divergências judiciárias acarretadas pela mudança na forma de tributação. “O projeto, tal como está, prevê uma primeira tributação de toda a variação histórica acumulada desde a constituição do fundo fechado até 31 de maio de 2019, quando passariam a valer as novas regras”, orienta. “Isso quer dizer que, caso a lei seja eventualmente aprovada em 2018, já incidirá sobre toda uma ‘renda’ que, além de ser presumida (ficta), pois ainda não está disponível ao contribuinte, é referente ao passado”. Segundo ele, “é uma clara tentativa de fazer retroagir a norma tributária, prejudicando situações jurídicas já estabelecidas sob legislação anterior”.
Segundo Cury, o mesmo já ocorrerá na MP 806/17, mas a divergência foi percebida e alterada pela Comissão Mista da Câmara dos Deputados. “A Comissão alterou essa realidade para preservar a segurança jurídica e a irretroatividade da medida, estabelecendo esse mecanismo de transição”. Para ele, uma aprovação do projeto qual como está atualmente irá resultar em muitos questionamentos no Judiciário. “Além dessa tentativa disfarçada de retroação da lei tributária, também há a própria inconstitucionalidade do come cotas, em relação a qualquer tipo de fundos”, dispara.
“O come cotas viola a noção de renda pressuposta na Constituição (art. 153, III) e no Código Tributário Nacional (art. 43)”, explica o doutor. “A decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 2.588, que tratava da tributação de lucros de empresas controladas e coligadas do exterior, abordou de alguma forma essas duas questões em favor dos contribuintes. Certamente será essa a tônica dos questionamentos”, finaliza.
O PL 10638/18 foi encaminhado à Câmara de Deputados em julho, mas ainda não há previsão para que seja analisado e votado pelos membros.